quinta-feira, 15 de julho de 2010

Como nos ajudar...

A seguir um trecho do livro Mentes e Manias:

Se você tem um familiar ou um amigo com TOC e está disposto a ajudá-lo de fato, saiba que sofredores de TOC não conseguem simplesmente parar de fazer, e isso não significa que sejam fracos, impotentes, preguiçosos ou sem força de vontade. Você já deve ter ouvido falar de pessoas que pararam de fumar, de roer unhas ou de comer chocolate de uma hora para outra. As que sofrem de TOC, no entanto, têm pensamentos terríveis e ansiedades superpotentes que você com certeza nunca experimentou. A diferença entre estas e as que param e pronto é que precisam fazer isso de maneira gradual e aceitável para si mesmas. Do contrário poderão fracassar ou desistir de forma irreversível.:

Sobre isso, recordamos o caso de Gustavo, um menino muito introvertido, na época com 12 anos. Seus pais chegaram a nossa clínica contando ter certeza de que o filho perguntava dezenas de vezes pelo fechamento de gás, portas e janelas só para levá-los à loucura. E mais, no fundo, a hora que ele quisesse, "pararia com aquelas idiotices".

A primeira coisa que esses pais tinham de aprender a fim de ajudar o filho era que ele não conseguia controlar suas "idiotices" tão facilmente assim, seu fracasso não dependia de sua vontade. Uma vez que percebessem isso, eles poderiam entender o comportamento do Gustavo e então teriam a oportunidade de reagir com menos freqüência e raiva ao que viam como mera teimosia.

Não importa quão estranhos uma obsessão ou ritual possam parecer para você, não faça com que as pessoas com TOC sintam que seus pensamentos e ações são "loucos" ou "perigosos". Em vez disso, coloque-se no lugar delas tentando imaginar como você se sentiria se contasse a alguém sobre pensamentos sexuais ou violentos que não conseguisse tirar de sua mente, embora os achasse sem sentido. Pratique um velho ditado dos índios americanos: "Antes de julgar alguém, calce o sapato dessa pessoa, caminhe por uma milha, pare, reflita e depois faça seu julgamento".

Como se diz sempre, conselho, se fosse bom, não se dava, vendia-se — por isso mesmo não temos essa pretensão. O que faremos a seguir é destacar algumas dicas de familiares e amigos de portadores de TOC que em muitos anos de prática clínica nos ensinaram ser possível fazer a paz em campo de guerra. Elas serão úteis a todos aqueles que estiverem dispostos a exercer o papel de helpers, ou seja, uma pessoa que tem consciência de que os rituais são sintomas do TOC e que a única maneira de auxiliar o indivíduo com TOC em seu cotidiano é ajudá-lo a resistir a suas compulsões.

1. Apoie o portador de TOC quanto puder e sempre o elogie quando ele conseguir resistir aos rituais. Os pacientes afirmam que os elogios fazem toda a diferença, principalmente nas situações práticas mais difíceis.

2. Reconheça a realização, mesmo parcial, de objetivos. Às vezes os portadores de TOC não alcançam completamente o objetivo em determinada tarefa, a despeito de seus melhores esforços. A função do helper é animá-los, como neste exemplo de diálogo com um paciente de TOC: "Tudo bem, você ficou sem checar o gás por duas horas e vinte minutos. Na próxima semana chegaremos às três horas desejadas. Seu progresso está sendo grande, na semana passada conseguimos duas horas. Vamos lá!".

3. Responda de forma honesta e segura a perguntas razoáveis que o portador de TOC lhe fizer, mas lembre-se de responder só uma vez. Se mais tarde ele lhe fizer a mesma pergunta use as seguintes afirmações: "Você já sabe a resposta" ou "Não vamos falar mais nisso".

4. Tente, quando possível, exercer sua tarefa de impedi-lo de realizar os rituais de forma bem-humorada. Faça como Rui, casado com Valéria há dez anos, que há dois meses tomou consciência da gravidade dos rituais de limpeza e higiene pessoal dela e resolveu se oferecer para ser seu helper durante três meses. Depois de um mês eles haviam conseguido vitórias significativas. Valéria diminuiu o uso de xampus, sabonetes, álcool, detergentes e produtos como Soapex, Germekill e Lisoform de tal maneira que Rui, em um momento em que os dois estavam fazendo os exercícios de resistir aos rituais, caiu em uma crise de riso, o que fez Valéria perguntar: "O que foi, Rui? Errei alguma coisa?". E ele respondeu: "Não, amor, é que em um mês eu pude ver que o que nós gastamos em produtos de limpeza nos daria um cruzeiro em Aruba de seis em seis meses, e a gente podia ficar limpinho nas águas azuis do Caribe". E ela até conseguiu rir de algumas bactérias oceânicas. O humor deve ser usado de forma sutil e carinhosa, caso contrário o portador de TOC poderá pensar que você está zombando dele ou de seus problemas.

5. Não faça críticas ásperas, do tipo: "Qual é o problema contigo? Você é muito fraco e preguiçoso, senão conseguiria fazer isso!". Críticas assim podem fazer com que o portador de TOC desista da terapia comportamental antes mesmo que tenha a chance de ver algum resultado.

6. Não alimente as obsessões. Como vimos, devemos responder às perguntas razoáveis feitas pelos portadores de TOC apenas uma vez. Alguns portadores, em busca de confirmação para suas obsessões, costumam fazer perguntas como "Eu realmente desliguei o gás?", "Eu disse alguma coisa obscena sem saber?" ou "Tem certeza de que eu tranquei a porta?". Responda sempre de forma agradável mas firme: "Nós concordamos em não falar sobre isso de novo!" ou "Você já sabe a resposta desta pergunta!", e então mude de assunto.

7. Não entre em discussões durante a prática dos exercícios. Seu papel é ajudar o portador de TOC, e não discutir com ele. Se ele ficar com raiva de você durante uma sessão prática ou tentar discutir, lembre-o de que esse é o objetivo que vocês traçaram e concordaram em atingir juntos. Não tente convencer o portador de TOC de que suas obsessões estão erradas; ele sempre terá um argumento. Tente evitar cair nessa cilada e, em vez disso, responda: "Não vamos falar sobre isso" ou "Você já sabe a resposta".

Se, ao ler os itens acima, você pensou na possibilidade de ajudar efetivamente alguém com TOC, saiba que as qualidades mais importantes de um helper são conhecimento, compaixão, firmeza e paciência. E boa sorte nessa trajetória tão nobre quanto árdua de auxiliar alguém muito querido rumo a uma vida menos sofrida.

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