segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Dias melhores...

Gente em dezembro tive várias crises, em janeiro tive umas crises leves, principalmente por ansiedade, mas estou bem melhor, o tratamento com a Carla está sendo maravilhoso e consegui contato com uma especialista em Boderline que me passou o artigo dela maravilhoso, é complicado para quem não entende do assunto mas é o de melhor que já encontrei sobre o assunto, qualquer dúvida perguntem e se eu souber, responderei.


TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE

Paula Ventura 1,2, Helga Rodrigues 2 e Ivan Figueira2
1 Instituto de Psicologia, IP - UFRJ
2 Instituto de Psiquiatria, IPUB - UFRJ

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) encontra-se em evidência, com aumento do interesse de profissionais da área de saúde, do desenvolvimento de estratégias terapêuticas e do número de publicações. A literatura mostra crescente aumento também das publicações na intersecção entre TCC e TPB.  Até o ano 2000 identificamos um total de 71 referências, ao passo que até o ano de 2010 foram localizadas 473 referências (pesquisa realizada no dia 20/08/2010, na base eletrônica ISI Web of Knowledge).
 A estimativa é de que 11% de todos os pacientes psiquiátricos ambulatoriais e 19% dos pacientes psiquiátricos internados preencham critérios diagnósticos para TPB (Linehan, 2010). Dos pacientes com transtornos de personalidade, 33% dos ambulatoriais e 63% dos internados preenchem critérios para TPB (Linehan, 1993). Na população geral, a prevalência é de cerca de 2% (DSM-IV-TR, 2000). A maior parte (74%) dos pacientes com TPB é do sexo feminino e a maioria deles (70 a 75%) tem uma história de comportamento de auto-agressão (Linehan, 1993).
A abordagem do TPB é relativamente recente, com sua inclusão apenas na terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-III, 1980), o que favoreceu o desenvolvimento de estudos sistemáticos nessa área. Diferentes autores têm estudado o TPB, dentre eles: Marsha Linehan, Mary Anne Layden, Christine Padesky, Arthur Freeman e Cory Newman.
Este capítulo tem por objetivo abordar o Transtorno de Personalidade Borderline e para qual serão adotados os critérios do DSM-IV (1994) e DSM-IV-TR (2000). (Para uma revisão que inclua todos os transtornos de personalidade ver Ventura, 1995). Será considerada a definição de personalidade proposta por Beck e colaboradores (2005), segundo a qual a personalidade é uma organização relativamente estável, composta por sistemas e modos. Sistemas de estruturas interligadas (esquemas) são responsáveis pela recepção de um estímulo e por todo o processo que vai até a resposta comportamental.
Os esquemas são estruturas cognitivas que organizam a experiência e o comportamento e referem-se às necessidades básicas do indivíduo, sendo desenvolvidos e mantidos por meio do relacionamento interpessoal. O paciente com transtorno de personalidade apresenta esquemas não-adaptativos, que trazem sofrimento a ele mesmo ou a outra pessoa. Os esquemas também são amplos, inflexíveis e densos, já que permeiam toda a organização cognitiva, e hipervalentes. Quando um esquema é hipervalente, seu limiar de ativação é baixo e inibe a ativação de outros esquemas.
Os esquemas, de forma geral, estão relacionados a cinco temas básicos:
1.      Expectativa de que as suas necessidades básicas de segurança, estabilidade, empatia e atenção não venham a ser satisfeitas.
2.      O indivíduo acredita ser incapaz de viver com certo grau de independência do outro.
3.      Expectativa de que não é uma pessoa desejável ou de que é diferente das outras pessoas no que diz respeito à beleza física, habilidades sociais, sucesso profissional, etc.
4.      Tendência a ignorar ou suprimir as emoções ou preferências.
5.      Restrição da autogratificação, em que o indivíduo volta a sua energia para o trabalho e para a as responsabilidades, deixando de lado atividades de lazer.

Os esquemas são mantidos pelos processos de distorção cognitiva descritos por Beck e pelo comportamento de evitar o contato com os esquemas, pois sua deflagração é muito ansiogênica. Comumente, observamos que os pacientes adotam comportamentos opostos ao que se esperaria a partir de seus esquemas. Por exemplo, pacientes com grande necessidade de atenção procuram afastar-se das pessoas, porque acreditam que ninguém conseguirá atender a essas necessidades (Young e Lindemann, 1992; Young et al., 2008).
Desde a introdução dos transtornos de personalidade como categorias diagnósticas em 1980, por meio da publicação do DSM-III, observamos na literatura estudiosos que defendem a idéia de que os transtornos de personalidade não existem, ou que não são adequadamente definidos pelo DSM. Arntz (1999) mostra que há evidências suficientes para a definição dos transtornos de personalidade como categorias diagnósticas. Estudos epidemiológicos, usando critérios do DSM, mostram que a prevalência dos transtornos de personalidade na população geral é de 1 a 3%; cerca de 10 a 20% na população de pacientes ambulatoriais e de 19 a 60% na população de pacientes internados (DSM-IV, 1994). Além disso, estudos com neuroimagem avançam, sugerindo a redução significativa do volume do hipocampo e da amígdala, encontrados em pacientes com TPB, como possíveis substratos biológicos de alguns sintomas desse transtorno de personalidade (Nunes et al., 2009).
Uma das críticas geralmente feitas aos transtornos de personalidade é que apenas alguns dos vários critérios devem ser preenchidos para que o diagnóstico seja feito, o que levaria a uma variedade muito grande na apresentação de um mesmo transtorno. O TPB, por exemplo, poderia ser diagnosticado de 247 formas diferentes (utilizando as várias combinações possíveis dos critérios do DSM-IV). Na realidade, porém, essa crítica normalmente feita aos transtornos de personalidade também se aplica aos transtornos do Eixo I do DSM-IV. Por exemplo, o transtorno de pânico pode ser diagnosticado de 7.814 formas diferentes, levando-se em conta que o paciente deve preencher no mínimo 4 dos 13 critérios para que o diagnóstico seja feito, ou seja, pode apresentar qualquer combinação de 4 dos 13 sintomas, bem como qualquer combinação de 5, 6, 7, e assim por diante dos 13 sintomas.
Além disso, avanços vem sendo propostos para o diagnóstico dos transtornos de personalidade no DSM-V. De acordo com especialistas, o sistema diagnóstico deve ser clinicamente relevante, incluindo um espectro das patologias da personalidade, facilitando assim, o seu reconhecimento e evitando a negligência dos diagnósticos de transtorno de personalidade na prática clínica. Deve também poder ser utilizado por clínicos não necessariamente especializados na avaliação e tratamento dos transtornos de personalidade (Shedler et al., 2010).
Com freqüência, os pacientes procuram terapia com queixas de depressão, ansiedade, transtornos alimentares, e o terapeuta pode ter a falsa impressão inicial de que se trata de um caso de fácil manejo. Comprovadamente, há uma sobreposição muito grande de transtornos do Eixo I e do Eixo II. Nos transtornos ansiosos, a prevalência média de transtornos de personalidade em pacientes com transtorno de pânico, fobia social, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno obsessivo-compulsivo variou de 50 a 60% (van Velzen e Emmelkamp, 1996). Os tipos de transtornos mais prevalentes foram o transtorno dependente e o transtorno obsessivo-compulsivo de personalidade. Nos transtornos alimentares, a prevalência média de transtornos de personalidade é de 37% e de 9% para o TPB, sendo este o segundo transtorno de personalidade com maior co-morbidade com os transtornos alimentares (Ramklint et al., 2010). A maioria dos estudos com depressão relata prevalência de transtornos de personalidade de cerca de 30 a 40%. Pesquisas indicam também alta taxa de comorbidade entre TPB e abuso de substâncias. Até 57.4% dos indivíduos com TPB preenchem critérios para abuso de substâncias (Trull et al., 2000). Podemos concluir, grosso modo, que cerca de metade dos pacientes com transtorno de ansiedade, de humor, alimentares e abuso de substâncias, apresenta algum tipo de transtorno de personalidade. Taxas tão altas de comorbidade demonstram que é essencial o desenvolvimento de pesquisas na área dos transtornos de personalidade.
No entanto, a que se deveria a sobreposição tão grande entre transtornos de Eixo I e transtornos de Eixo II? De acordo com o DSM-IV, a comorbidade seria um produto do acaso. Há vários modelos que se propõem a dar uma explicação, vão desde a hipótese de que os transtornos seriam expressões alternativas de uma mesma constituição biológica até a proposta de que seriam duas estruturas psicobiológicas distintas. Os diversos modelos propostos aguardam verificação empírica (van Velzen e Emmelkamp, 1996).
Apesar da alta taxa de comorbidade, o terapeuta deve ter muito cuidado ao diagnosticar um transtorno de personalidade durante um episódio de ansiedade ou depressão, porque esses transtornos podem ter características semelhantes e pode ser mais difícil avaliar o funcionamento do indivíduo a longo prazo. Entrevistas com familiares podem ser muito úteis na obtenção de dados sobre o funcionamento do indivíduo ao longo da vida.
Durante o processo de avaliação, é importante que o terapeuta chegue ao diagnóstico e à formulação cognitivo-comportamental do paciente. A presença de transtorno de personalidade deve ser considerada quando o paciente não é cooperativo, a terapia parece não progredir, o paciente considera seus problemas o resultado somente de causas externas e os seus familiares relatam que ele sempre manifestou os mesmos comportamentos.
Os transtornos de personalidade estão no Eixo II da DSM-IV, que inclui os seguintes eixos:
Eixo I: Síndromes clínicas
Eixo II: Transtornos de desenvolvimento e transtornos de personalidade
Eixo III: Distúrbios e condições sociais
Eixo IV: Gravidade dos estressores psicossociais
Eixo V: Avaliação global de funcionamento
Os transtornos de personalidade são divididos em três grupos: agrupamento A, agrupamento B e agrupamento C. Este capítulo trata especificamente do TPB, que pertence ao agrupamento B. Pacientes pertencentes ao agrupamento B apresentam emocionalidade exagerada, dramática, que dá a impressão de não ser genuína. A fala é fluente e vaga, e o paciente frequentemente cai em contradições. Tende a dar respostas amplas, longas e cheias de metáforas. O terapeuta precisa pedir exemplos concretos e redirecionar a atenção do paciente para que possa obter as informações de que necessita. A emocionalidade exagerada e superficial pode fazer com que o terapeuta não se sinta em contato com os reais sentimentos do paciente, o que dificulta o estabelecimento de uma boa relação terapêutica. O paciente pode flertar com o terapeuta, reclamar dele, ameaçá-lo ou provocá-lo.

CARACTERIZAÇÃO DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE

Definição

Muitos profissionais utilizam o termo “Borderline”  para se referir a pacientes difíceis e para justificar a falta de sucesso no tratamento. É muito importante não utilizar o termo dessa forma, já que os pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline não são os únicos pacientes difíceis que encontramos em nossa prática clínica.
De acordo com Landeira-Fernandez e Cheniaux (2010), alguns filmes como, “Atração fatal”, “Mamãezinha querida” e “Igual a tudo na vida”, ilustram as pricipais alterações presentes no TPB.
Os critérios diagnósticos para TPB, de acordo com o DSM-IV-TR (revisão do DSM-IV, publicada em 2000), encontram-se na Tabela XXX.

TABELA XXX Critérios diagnósticos do DSM-IV-TR para o Transtorno de Personalidade Borderline

Um padrão invasivo de instabilidade dos relacionamentos interpessoais, auto-imagem e afetos e acentuada impulsividade, que se manifesta no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, indicado por, no mínimo, cinco dos seguintes critérios:
1.      Esforços frenéticos no sentido de evitar um abandono real ou imaginário (não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no critério 5).
2.      Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização.
3.      Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e resistente da auto-imagem ou do sentimento de self.
4.      Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria pessoa, por exemplo: gastos finaceiros, sexo, abuso de substâncias, direção imprudente, comer compulsivo (não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no critério 5).
5.      Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante.
6.      Instabilidade afetiva, devido a uma acentuada reatividade do humor (por exemplo: episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade, geralmente durando algumas horas e apenas raramente mais de alguns dias).
7.      Sentimentos crônicos de vazio.
8.      Raiva inadequada e intensa ou dificuldade em controlar a raiva (por exemplo: demonstrações frequentes de irritação, raiva constante, lutas corporais recorrentes).
9.      Ideação paranóide transitória e relacionada ao estresse ou a graves sintomas dissociativos.
American Psychiatric Association (2000, p.710)

Em geral, a fase mais instável do transtorno ocorre no início da vida adulta, que é repleta de episódios de perda de controle sobre os impulsos e é a época em que o risco de suicídio é mais elevado. Os pacientes tendem a atingir maior estabilidade em torno dos 30 ou 40 anos de idade (DSM-IV-TR). Não se deve confundir as crises de identidade comuns na adolescência com TPB. O adolescente pode apresentar características desse transtorno, mas estão relacionadas às pressões por ele vividas nessa nova fase da vida e que tendem a remitir com o tempo.
É muito comum observarmos uma história de abuso sexual em pacientes com Transtorno de Personalidade Borderline, especialmente entre os 6 e 12 anos de idade, muito comumente causado por parentes da vítima (Arntz, 1999). História de abuso sexual está associado com o aumento do risco de desenvolvimento de muitos transtornos psiquiátricos (Chen et al., 2010). Estudos mostram que o abuso sexual não é o único evento traumático associado ao TPB; outras formas de abuso, como abuso físico e emocional, também estão relacionados a esse transtorno. Diante da alta prevalência de abuso sexual, alguns autores levantaram a hipótese de que o Transtorno de Personalidade Borderline seria uma forma de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Gunderson e Sabo, 1993). No entanto, estudos realizados por Arntz (1999) mostraram  que, apesar de haver correlação entre o diagnóstico de Transtorno de Estresse Pós-Traumático e de TPB, este não é um subgrupo mais grave de Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
Além da relação dos abusos na infância e o TPB, é importante ressaltar também a relação com os sintomas de dissociação, caracterizados por esquecimentos, entorpecimento emocional (“anestesia emocional”), pensamentos intrusivos, despersonalização (“fora de si”) e desrealização (“fora da situação”). A experiência do paciente em um episódio de dissociação é como se estivesse “fora do ar”, desconectado da situação real que está vivendo. Os sintomas de dissociação são frequentes em pacientes com TPB. Alguns estudos mostram que nesse transtorno, os modos de esquemas disfuncionais predizem os sintomas de dissociação mais do que histórias de abusos na infância. Os pacientes com TPB mudam de modos de esquemas disfuncionais com frequência, de forma intensa e dissociada. Apesar dos modos de esquemas disfuncionais terem suas origens em experiências negativas na infância, os dados apontam que as divisões nos modos da personalidade borderline que predizem os sintomas dissociativos (Young et al., 2003; Johnston et al., 2009).  (Uma descrição mais detalhada de modos de esquema está abaixo).
Como vimos antes, o Transtorno de Personalidade Borderline pode ser diagnosticado de muitas formas diferentes, pelos critérios do DSM-IV e DSM-IV-TR. Dessa forma, dois pacientes com TPB podem diferir bastante entre si no que se refere à sua apresentação clínica. Layden e colaboradores (1993) propõem a existência de três subtipos de TPB. Cada um dos subtipos representaria pacientes com TPB associado a algumas características de outros transtornos de personalidade. Segundo esses autores, é mais raro encontrarmos pacientes com TPB e outros transtornos de personalidade, como obsessivo-compulsivo ou esquizóide, por exemplo. Por outro lado, é bastante comum a associação com traços de transtornos evitativo, dependente, narcisista, histriônico, anti-social e paranóide. Por essa razão, os três subtipos propostos por eles são os seguintes:
1.      Transtorno de Personalidade Borderline-evitativo/dependente;
2.      Transtorno de Personalidade Borderline-histriônico/narcisista;
3.      Transtorno de Personalidade Borderline-anti-social/paranóide.
Segundo Layden e colaboradores (1993), o subtipo anti-social/paranóide é o menos comum nos consultórios psicoterápicos.
A seguir, serão descritas algumas das características de cada um desses subtipos.

Borderline-evitativo/dependente
           
            A ansiedade é um dos sintomas dominantes neste grupo de pacientes, que geralmente paresenta um esquema de incompetência nas várias esferas da vida bastante acentuado. Basicamente, eles não se acreditam capazes de lidar com os problemas da vida, o que os faz apresentar um comportamento de evitação de qualquer tipo de desafio. Por essa razão, acreditam necessitar dos outros para sobreviver, mas têm medo de que, ao se envolver emocionalmente com alguém, venham a perder sua individualidade. Na relação terapêutica, o paciente costuma alternar entre um distanciamento do terapeuta e pedidos de apoio total. Esse subtipo de pacientes tem maior probabilidade de desenvolver transtornos de ansiedade.

Borderline-histriônico/narcisista

            Este subgrupo de pacientes apresenta explosões de raiva quando acredita que suas necessidades não estão sendo atendidas, além de acentuadas variações de humor e relações interpessoais muito conturbadas. Mais do que os outros subtipos, esses pacientes tendem a pedir ajuda por meio de tentativas de suicídio.
            Para ilustrar, podemos citar o caso de uma paciente que, ao final de uma sessão psicoterápica, no momento da despedida, a paciente achou que a terapeuta não havia sido calorosa como de costume e teve seu esquema de rejeição ativado. Saiu da sessão foi para casa, abusou da medicação prescrita pelo psiquiatra, ingeriu álcool, brigou com o marido, a ponto de lhe quebrar um dedo, ligou para a terapeuta inúmeras vezes proferindo xingamentos e dormiu. No dia seguinte relatava não se lembrar de tudo que havia ocorrido. O esquema cognitivo nesse subgrupo tende a ser o de não se sentir amado e de abandono. Para lidar com tais esquemas, os pacientes costumam apresentar comportamentos exibicionistas e tendem a fazer verdadeiros dramas da situações que estão vivendo. Tendem a ser impulsivos, impacientes e apresentar baixa tolerância à frustração, o que dificulta o processo psicoterápico. Também buscam a novidade em torno deles, com comportamentos como o uso de drogas e a troca de parceiros sexuais.

Borderline-anti-social/paranóide

            Este subgrupo de pacientes normalmente apresenta inveja e raiva muito intensas, falta de preocupação com normas e regras e desconsideração pelo ponto de vista do outro. Apresentam comportamentos hostis típicos dos transtornos anti-social e paranóide, com a diferença de que com frequência se envolvem em atos que são tão maléficos para si mesmos quanto para os outros e que estão mais de acordo com o TPB. Muitas vezes, esses pacientes evitam o tédio por meio do uso de drogas. Layden e colaboradores (1993) acreditam que devemos prestar atenção a tentativas de suicídio nesses pacientes, as quais indicam possível potencialidade para comportamento homicida. Para ilustrar podemos citar o caso de uma paciente que chegou à sessão com planos suicídas envolvendo a morte por gás de banheiro. Quando foi questionada, a paciente, na verdade, pretendia matar o namorado com fogo e depois se suicidar com o gás do banheiro. 

RELAÇÃO TERAPÊUTICA
           
Qualquer manual de tratamento de transtornos depressivos ou de ansiedade salienta que o estabelecimento de uma boa relação terapêutica deve preceder o tratamento desses transtornos. Tal recomendação é importante na construção da relação terapêutica com qualquer paciente, mas é ainda mais fundamental na relação com o paciente com TPB. No entanto, nesse caso, muitos dos problemas apresentados pelo paciente situam-se na esfera do relacionamento interpessoal, o que traz problemas para o estabelecimento de uma boa relação terapêutica. É preciso, então, que um dos focos do tratamento seja a própria relação terapêutica.
De acordo com Layden e colaboradores (1993), o terapeuta deve estar atento para estabelecer uma relação terapêutica que procure desenvolver um senso de ligação entre ele e o paciente. Para isso, é importante que seja sempre consistente, sincero e interessado pelo paciente. Além disso, com o avanço do tratamento, é importante que o paciente perceba que pode confiar no terapeuta. Dizemos “com o avanço do tratamento” porque de nada adianta o terapeuta dizer ao cliente que é uma pessoa confiável; a confiança será desenvolvida ao longo das sessões. Para promover o desenvolvimento da confiança, o terapeuta deve, entre outras coisas, prestar atenção ao cliente, não adotar uma postura de juiz, discutir o desconforto relativos à relação terapêutica, pedir feedback do paciente e manter a calma, mesmo diante de explosões de humor daquele. É preciso também que o terapeuta use o padrão de interação do cliente na sessão como indicativo da forma como ele se comporta em suas relações interpessoais. A relação terapêutica é um excelente terreno para que se possam detectar os padrões comportamentais do paciente que tendem a desencadear reações desagradáveis em seu interlocutor. Além de detectá-los, o terapeuta pode treinar com o terapeuta maneira de modificá-los. Por exemplo, uma paciente vira-se para o terapeuta e fala: “Tenho ódio de você, achei que você queria me ajudar, mas fui enganada, você chega com a cara mais limpa do mundo e diz que vai viajar em um momento tão difícil para  mim”. Esse tipo de comentário é desagradável para o terapeuta , que é treinado a lidar com a situação. Fora do contexto psicoterápico, pode pôr fim a muitas relações, o que acabaria por confirmar a crença da paciente de que será sempre abandonada e de que não pode confiar em ninguém.  Nesse exemplo, é preciso que se identifique o esquema cognitivo ativado diante do comunicado feito pela terapeuta de que viajaria por uma semana. É também importante que a paciente aprenda a se expressar de maneira mais construttiva, falando algo do tipo: “Me senti abandonada com a comunicação de que você vai viajar. Como podemos lidar com esta situação?”. Além do conteúdo do que é dito, é preciso que o tom de voz não seja agressivo nem infantilizado. A mudança na maneira de se expressar tende a causar uma reação muito mais positiva no interlocutor e a fortalecer os relacionamentos interpessoais.
É muito comum ao paciente com TPB adotar comportamentos durante a sessão que causam uma reação emocional intensa por parte do terapeuta e que precisam ser manejados adequadamente. Exemplos desses comportamentos incluem berrar ou xingar o terapeuta, quebrar objetos do consultório, seduzir, tentar controlar a sessão, tentar prolongar a sessão, invadindo o horário do paciente seguinte. Para ilustrar podemos mencionar a paciente que ao final da sessão falou que não sairia, pois seu problema era mais importante que dos demais pacientes e que o terapeuta deveria mandar os outros pacientes embora, à medida que fossem chegando para suas consultas. Também é comum telefonar inúmeras vezes e reagir com irritação se o terapeuta não retorna os telefonemas logo a seguir. Diante desses comportamentos, o primeiro impulso seria reagir com igual agressividade e é justamente o que ocorre no dia-a-dia do paciente. É importante conter tal impulso e demonstrar uma atitude empática, não-agressiva e não-defensiva. Por outro lado, os limites precisam ser negociados para que a situação não atinja níveis insustentáveis. Com relação aos telefonemas frequentes e agressivos, podemos citar o exemplo de um paciente que ligava cerca de 10 vezes ao dia para o celular do  terapeuta. Chegou-se a um acordo de que ele só ligaria uma vez ao dia e se expressaria de forma assertiva.
Quando o terapeuta precisa cancelar as sessões, seja por motivo de viagem ou por outras razões, deve ter em mente que vários esquemas podem ser ativados, tais como desconfiança, abandono, falta de amor, etc. Sempre que possível, deve-se avisar o paciente com alguma antecedência para que haja tempo de trabalhar com a ativação desses esquemas durante as sessões. Em alguns casos, é útil deixar um  outro terapeuta informado do caso do paciente para que possa ser acessado durante a ausência do terapeuta.
Se, por um lado, é impossível não vivenciar em algum momento reações emocionais intensas no trabalho com o paciente com TPB, por outro, contamos com todo o arsenal da terapia cognitiva para nos auxiliar a lidar com essas emoções da maneira mais produtiva possível. Para tanto, o terapeuta deve examinar os próprios pensamentos automáticos, que podem incluir pensamentos do tipo “Não posso suportar este paciente nem um minuto mais”, “Ele não reconhece nada do que faço”, “O que estou fazendo aqui perdendo tempo com este paciente ingrato?”, “Quem é meu maior inimigo para que eu possa encaminhar este paciente?”. Pensamentos automáticos aparentemente mais positivos, mas nem por isso menos danosos, incluem “Vou salvar este paciente, dando a ele todo o amor que ele nunca teve”, “Este paciente me considera especial e isso significa que eu realmente devo ser um terapeuta maravilhoso”. Estes e outros pensamentos deflagrados a partir do contato com o paciente com TPB devem ser examinados cuidadosamente para que então possamos proceder à nossa própria reestruturação cognitiva. Esse processo de auto-exame ocorre tanto durante a sessão quanto entre as sessões. Pode ser necessária a troca com outros profissionais que auxiliarão nesse processo. Linehan (1993) defende a idéia de que o terapeuta que lida com pacientes com TPB não deva trabalhar sozinho, contando sempre com outros profissionais que o ajudarão a manter o enfoque terapêutico durante todo o processo.
Os pacientes com TPB tendem a ser hipervigilantes para sinais que possam indicar que o terapeuta não seja confiável, ou queira aproveitar-se dele. Dessa forma, comentários ou comportamentos aparentemente neutros por parte do terapeuta podem ser vistos de forma muito negativa. Por exemplo, uma paciente cancelou a sessão em cima da hora. A terapeuta aproveitou para resolver um problema pessoal. Quando a paciente telefonou para acessar a terapeuta no horário que seria de sua sessão e soube que esta não estava no consultório teve um comportamento explosivo. Se sentiu explorada, pois ao invés de estar lá, mesmo com a consulta tendo sido desmarcada, a terapeuta havia saído do consultório. Para lidar com situações desse tipo, é preciso que o paciente aprenda a “não ler a mente dos outros”, a não inferir a intenção das pessoas e imediatamente se magoar ou agredir seu interlocutor. Antes de mais nada, o paciente precisa saber o que o outro quis dizer para que então possa refletir e se posicionar. Por exemplo, em uma outra situação, a terapeuta depois de ouvir a pergunta da cliente colocou a mão no queixo e ficou pensativa por alguns segundos. A paciente imediatamente falou em um tom de voz agressivo: “Você acha realmente que eu não tenho jeito e que é melhor me encaminhar para alguém, não é?”. Na realidade, a terapeuta estava apenas refletindo sobre a pergunta da paciente.
Os pacientes com TPB também são hipervigilantes para mudanças no afeto e para as vulnerabilidades do terapeuta. Se o terapeuta sentir raiva ou atração pelo paciente, este provavelmente notará e tenderá a magnificar o que observou. Por exemplo, um tom de voz mais hostil por parte do terapeuta pode ser interpretado como “Ninguém gosta de mim, sou uma pessoa má e estou condenado a ser abandonado por todos”.
Linehan (2010) tem uma visão bastante interessante do paciente com TPB, a qual pode ser muito útil na reestruturação cognitiva do terapeuta durante o trabalho com pacientes com TPB. Uma das questões por ela abordadas refere-se ao uso frequente do termo “manipulativo” por parte dos terapeutas ao se referirem a seus pacientes com TPB. Vale lembrar que o indivíduo manipulador, de forma geral, é visto como alguém que quer influenciar propositadamente outras pessoas por meio de meios tortuosos, desonestos ou indiretos. Ao observarmos o comportamento de pacientes com TPB, vemos que ao tentarem influenciar o comportamento do outro apresentam comportamentos diretos e pouco habilidosos (p. ex., o caso dos recados frequentes e agressivos). Sem dúvida, esses pacientes influenciam o comportamento de outras pessoas, tanto pelas tentativas de suicídio quanto de suas crises. Mas será que usam de táticas desonestas para influenciar outras pessoas de maneira proposital? Linehan mostra que esta não é a forma pela qual os pacientes percebem seus atos. Como resolver esta questão? Ou devemos acreditar que esses pacientes são mentirosos, ou que tal comportamento estaria sendo regulado por desejos inconscientes, o que seria um pressuposto completamente inadequado da perspectiva cognitivo-comportamental, que tem como base o método científico. Uma paciente, por exemplo, que tem o comportamento de tentar suicídio toda vez que se sente abandonada e que, depois das tentativas, é coberta de atenções pelas pessoas à sua volta, tenderá a manter o comportamento suicida na presença de abandono. Esse comportamento é fácil de ser entendido, pois o comportamento de tentar suicídio está sendo reforçado com a atençào dispensada pelos parentes. A função do comportamento é clara. Porém, como nos lembra Linehan, não devemos confundir função com intenção. Será que podemos inferir, a partir do exemplo, que a paciente está intencionalmente usando de meios indiretos e tortuosos para influenciar o comportamento do outro, mesmo que negue isso?
Além dessas dificuldades apontadas, associadas ao uso do termo “manipulativo”, devemos lembrar que este é um termo pejorativo e, ao ainvés de nos aproximar do paciente, leva-nos a um distanciamento do mesmo e não nos auxilia em seu tratamento. De acordo com Young e colaboradores (2008), a maneira mais construtiva de ver os pacientes com TPB é como crianças vulneráveis. Fisicamente são adultos, mas psicologicamente são crianças abandonadas em busca dos pais e comportam-se inadequadamente porque estão desesperados.
Com relação à crença de alguns terapeutas de que o trabalho com o paciente com TPB é fadado ao fracasso e ao gasto de energia em vão, os dados não apoiam tal crença. Estudos feitos tanto com a abordagem cognitivo-comportamental (Perry et al., 1999) e com a terapia comportamental dialética (Linehan et al., 1999; Linehan, 1993; McMain et al., 2009) demonstram que a psicoterapia é eficaz. Ainda, a psicoterapia é considerada o principal tratamento para o TPB (APA, 2001).

TRATAMENTOS

Psicoterápico, com abordagem cognitivo-comportamental:
           
No processo de avaliação do paciente é recomendado utilizar o Structured Clinical Interview for DSM-IV, Axis II (Entrevista Clínica Estruturada para a DSM-IV, Eixo II), (First et al., 1997).  Além do diagnóstico psiquiátrico é importante proceder à formulação cognitivo-comportamental, para a conceituação do caso, que variará de paciente para paciente.
Nesta seção, abordaremos algumas intervenções consideradas úteis no tratamento de pacientes com TPB. De acordo com Layden (1993), há quatro tipos de intervenções importantes no manejo desses pacientes. São elas o uso da relação terapêutica, as estratégias para intervenção em crises, o uso de técnicas da terapia cognitiva padrão e a conceitualização focalizada no esquema. Como o uso da relação terapêutica já foi descrito na seção anterior, começaremos discutindo as estratégias utilizada no manejo de crises: Um exemplo típico e bastante comum de crise envolvendo pacientes com TPB é a presença de comportamentos parassuicidas. O termo parassuicida proposto por Kreitman (1997), refere-se a qualquer comportamento intencional, não-fatal, que resulte em lesão de tecido, doença ou risco de morte por ingestão de droga ou substância não-prescrita ou em excesso com o objetivo de se ferir ou se matar. O comportamento parassuicida é bastante presente em pacientes com TPB. É interessante lembrar que Marsha Linehan, uma das maiores estudiosas de pacientes com TPB, não tinha originalmente interesse em paciente com esse transtorno. Foi o seu interesse por suicídio e comportamento parassuicida que a levou até os pacientes com TPB. Linehan (1993) tem como primeiro item obrigatório a ser abordado em todas as sessões com seus pacientes a ocorrência de comportamento parassuicida ou ideação suicida na semana precedente. Tal procedimento evita que no último minuto da consulta o paciente revele que se cortou propositadamente, ou que tomará todos os comprimidos que encontrar ao chegar em casa. Com relação aos comportamentos parassuicidas, o terapeuta deve estar atento aos esquemas cognitivos a ele relacionados. Por exemplo, uma paciente na semana anterior à sessão havia cortado o cabelo curto, com raiva em frente ao espelho e se machucado com uma tesoura. Na consulta seguinte, observou-se que o esquema de incapacidade da paciente havia sido ativado no momento do comportamento parassuicida. Ela utilizava claramente o comportamento parassuicida como forma de se distrair da dor emocional.. Outros clientes têm comportamentos parassuicidas muito associados à ativaçào de um esquema de que são pessoas más e precisam ser punidos. Relatam, inclusive, certo alívio quando intencionalmente se queimam ou se cortam com uma faca, mesmo quando estão sozinhos. É importante discutir com o paciente outras maneiras de lidar com o impulso de engajar-se em comportamentos parassuicidas. Algumas sugestões podem ser feitas ao paciente, como riscar-se com uma caneta pilot vermelha, ao invés de se cortar, colocar as mãos em uma vasilha com gelo, para sentir dor, ao invés de se machucar, telefonar para o terapeuta, ligar para um amigo, ir ao hospital mais próximo, etc. De forma geral, os pacientes com TPB são bastante ricos no que se refere à produçao de material para discussão na sessão. A cada consulta, há um novo problema que, de acordo com o paciente, precisa ser resolvido imediatamente, pois o aflinge muito. Há dois pontos importantes a se destacar: à exceção do comportamento parassuicida, que naturalmente demanda atenção imediata, o que dita a gravidade de um problema não é a sua intesidade, mas a sua longevidade. Além disso, o terapeuta deve estar atento para, junto com o cliente, tentar identificar o fator comum a cada nova crise semanal. Caso isso não ocorra, o terapeuta acabará sentindo-se como um bombeiro que precisa apagar um incêndio a cada semana. Em geral, o terapeuta acaba por se sentir frustrado pela sensação de que a terapia não está andando. Ainda no campo das crises, são comuns os episódios de intensa experiência emocional, nos quais o paciente não consegue nem ao menos especificar a emoção que está sentindo, quanto mais especificar os pensamentos automáticos a ela associados. Uma paciente relatou terror ao sair de casa. Ao ser questionada sobre o terror respondeu: “Não sei medo de que, só terror, é aquele terror que tive várias vezes na vida”. Caso o terapeuta tenha informações que permitam inferir hipóteses acerca do terror nesse caso, é importante colocá-las para o paciente e pedir que ele forneça feedback.
As técnicas utilizadas na terapia cognitiva padrão são bastante importantes ao longo do tratamento com o paciente com TPB, lembrando sempre da importância de discutir com o cliente o porquê das técnicas e de eliciar os pensamentos automáticos a elas relacionados para maximizar sua eficácia. Essa preocupação está relacionada à resistência comumente encontrada nesses pacientes diante das estratégias propostas pelo terapeuta. Essa resistência é bastante compreensível, já que as estratégias utilizadas podem ativar esquemas apresentados pelo paciente. Nesses casos, é sempre importante trabalhar com a ativação dos esquemas para depois proceder à implementação das estratégias.
            É comum os pacientes com TPB apresentarem uma forma catastrófica de relatarem seus problemas na terapia, relatando de forma drástica as tragédias que lhe ocorreram na semana anterior e mostrando como é impossível lidar com elas, muitas vezes pensando no suicídio como alternativa de solução do problema. De acordo com Bray e colaboradores (2007), pacientes com TPB apresentam muita dificuldade para soluções de problemas, com orientação negativa dos problemas e impulsividade. O terapeuta tem um papel fundamental em auxiliar o cliente a mudar de sintonia, saindo da sintonia da “catátrofe” para uma sintonia mais construtiva, de buscar soluções para os problemas. Esta não é uma tarefa fácil, mas é essencial para que esses pacientes possam desenvolver habilidades de resolução de problemas. Diante de qualquer problema, em primeiro lugar é preciso defini-lo. Em seguida, paciente e terapeuta procuram gerar o máximo possível de alterantivas para lidar com o problema. No momento seguinte, é preciso levantar os pontos positivos e negativos de cada uma das alternativas para então escolher e implementar a melhor delas. Por fim, é preciso que os resultados dessa implementação sejam avaliados. Deve-se ter em mente que há uma correlação entre humor deprimido e dificuldade em ter a flexibilidade cognitiva necessária para gerar alternativas durante a resolução de problemas.
Quando o esquema é acessível à descrição verbal, pode-se utilizar a folha elaborada por Judith Beck (QuadroXXX), para o trabalho com as crenças centrais. Nela são registradas a crença central antiga (a ser modificada), o quanto o paciente acredita nela e o quanto acreditou na semana anterior, bem como a nova crença. Também são anotadas as evidências contra e a favor da crença antiga, tendo sido estas últimas reformuladas à luz da nova crença. O quadro XXX mostra um exemplo preenchido.
QUADRO XXX    Folha de trabalho com a crença central
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Nome: MNG
Crença central antiga: Sou uma incapaz.
Quanto você acredita na crença central antiga neste momento? (0-100) 85
Qual foi o máximo que você acreditou nesta crença esta semana? (0-100) 95
Qual foi o mínimo que voce acreditou nesta crença esta semana? (0-100) 80
Nova crença: Sou capaz em alguns aspectos e incapaz em outros..
Quanto você acredita na crença nova neste momento? (0-100) 60

Evidências que contradizem a crença antiga e apóiam a crença nova:
1.      Tenho um trabalho, no qual sou valorizada.
2.      Administro as finanças da minha casa.
3.      Cuido do meu filho.

Evidências que apóiam a crença antiga reformulada:
1.      Apesar de eu me sentir uma pessoa incapaz, isto não significa que eu seja incapaz como um todo.
2.      Não passei ainda no concurso público que queria, mas ainda não tive condições de estudar.
3.      Não sou um pai ideal, mas estou melhorando cada vez mais.
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De grande importância para pacientes com TPB foi o desenvolvimento da Terapia do Esquema por Jeffrey Young como uma abordagem integrativa e sistemática que se expande a partir da TCC (Young et al., 2008).  A Terapia do Esquema procura focar nas experiências traumáticas e negativas primárias que originam problemas psicológicos, em técnicas que utilizam a emoção, na relação terapêutica e em estilos mal adaptativos de enfrentamento Em primeiro lugar, é preciso identificar os esquemas do paciente com TPB, que constumam estar relacionados aos seguintes temas: incompetência, privação emocional, desconfiança, abandono, falta de individuação, fato de ser uma pessoa ruim e não passível de receber amor. A avaliação dos problemas apresentados pelo paciente, sua relação com eventos negativos críticos em sua história e as crises apresentadas ao longo da terapia fornecem boas pistas a respeito dos esquemas subjacentes. É importante também identificar os estilos de enfrentamento dos esquemas, que são comportamentos auto-derrotistas que perpetuam os esquemas. Os estilos de enfrentamento podem ser: rendição, evitação ou supercompensação. Depois de identificados, os esquemas e estilos de enfrentamento podem ser modificados por meior de recursos verbais, do uso de imagens ou da combinação desses recursos com outras estratégias não-pictóricas. O terapeuta utiliza a confrontação empática, incentivando a mudança no padrão comportamental e a substituição por formas de enfrentamento mais saudáveis, mas também expressando empatia sobre a dificuldade de modificar padrões comportamentais profundamente arraigados.
Quando os esquemas estão fortemente associados a imagens, são utilizados exercícios de imaginação. Nesses exercícios, podem ser utilizadas situações traumáticas vividas pelo paciente (por exemplo: abuso sexual quando criança) e o terapeuta procura investigar junto com o paciente  como ele viveu a situação enquanto criança. O paciente relaxa confortavelmente na poltrona, imagina a situação traumática e o “eu” adulto do paciente procura fazer a reestruturação cognitiva dos pensamentos apresentados pelo “eu”criança do paciente. Pode ser necessário repetir esse procedimento várias vezes.
Muitos esquemas podem surgir nos primeiros anos de vida e serem ativados por pistas não-verbais e não-pictóricas, como, por exemplo, temperatura, tom de voz, cheiro e sensações físicas. Alguns esquemas são ativados pela sensação de frio, tal como uma paciente que tinha seu esquema de abandono ativado em dias frios. Nesses casos, pode-se usar uma combinação de métodos verbais, de imaginação e físicos (um cobertor ou um banho quente quando da ativação do esquema) para modificá-los.
Os pacientes com TPB costumam ter quase todos os 18 esquemas (em especial: abandono, desconfiança/abuso, privação emocional, defectividade, autocontrole/autodisciplina insuficientes, subjugação e postura punitiva). Para lidar com tantos esquemas e com as mudanças afetivas extremas e intensas, foi criado o conceito de modo. Pacientes com TPB mudam os modos com frequência, em resposta a eventos em sua vida. Quando os pacientes com TPB mudam de modo, os outros modos parecem desaparecer. Os modos ficam dissociados quase por completo. Foram identificados cinco principais modos que caracterizam a personalidade borderline: criança abandonada; criança raivosa e impulsiva; pais punitivos; protetor desligado e adulto saudável. A forma mais fácil de distinguir os modos é pelo tom de suas expressões (Young et al., 2008).
O trabalho com modos tem como objetivo fortalecer o modo adulto saudável a fim de oferecer carinho e proteger a criança abandonada, estabelecer limites para o comportamento da criança raivosa e impulsiva e a expressar de maneira adequada, emoções e necessidades, eliminar os pais punitivos e substituir o protetor desligado. O paciente com TPB amadurece em direção a um adulto saudável. Nesse sentido, o tratamento eficaz não é breve, podendo durar alguns anos.
No atendimento de pacientes com TPB é importante que os terapeutas conheçam seus próprios esquemas e estilos de enfrentamento, uma vez que o trabalho com esses pacientes costuma ser intenso e tumultuado e disparar os esquemas do próprio terapeuta.

O tratamento proposto por Linehan (1993, 2010) através da Terapia Comportamental Dialética (TCD) tem-se mostrado extremamente interessante. Linehan desenvolveu a TCD com o objetivo de tratar pacientes com TPB e história de várias tentativas de suicídio. A Terapia Comportamental Dialética engloba uma série de técnicas cognitivo-comportamentais, mas possui algumas especificidades. O nome dialética vem da característica dinâmica da terapia, na qual a cada momento os opostos são conciliados em um processo de síntese. A principal dialética refere-se à aceitação do paciente como ele é, ao mesmo tempo em que se procura ajudá-lo a mudar. Há uma ênfase tão grande no processo de mudança quanto no processo de aceitação do paciente. Uma das diferenças entre a Terapia Comportamental Dialética e a Terapia Cognitiva de Beck é que a primeira não considera necessariamente as respostas comportamentais e os sentimentos como resultantes de processos disfuncionais de pensamento. De acordo com a Terapia Comportamental Dialética, os pensamentos não ocupam lugar de primazia em relação aos domínios emocional e comportamental.
Basicamente, o tratamento do TPB com a Terapia Comportamental Dialética inclui o uso de técnicas de validação e de resolução de problemas. Os objetivos da terapia são claramente estabelecidos de acordo com a seguinte ordem de importância: em primeiro lugar, são abordados os comportamentos que ameaçam a vida ou a integridade física do indivíduo. Em segundo lugar, são trabalhados os comportamentos que ameaçam o processo de terapia (p. ex., faltar às sessões). Em terceiro lugar, são tratados os problemas que inviabilizam uma qualidade de vida razoável. Em seguida, vem a preocupação com a estabilização das habilidades comportamentais desenvolvidas em resposta às habilidades disfuncionais pré-existentes.

Tratamento  farmacológico:

Há sérias limitações nos estudos farmacológicos para tratar pacientes com TPB: amostras pequenas, poucos ensaios randomizados e baixa qualidade metodológica das pesquisas. No geral, o tamanho de efeito encontrado com qualquer tipo de fármaco tem sido no máximo modesto, sendo pouquíssimos os pacientes que remitem quando expostos à farmacoterapia isoladadamente. A conclusão final é de que o papel dos medicamentos no tratamento do TPB é de auxiliar à psicoterapia, limitando-se a tratar os sintomas e não o transtorno como um todo. Ou seja, não há uma medicação “anti-borderline”, mas sim recursos farmacológicos que permitem o alívio de sintomas-alvo incômodos cujo controle é relevante para um melhor manejo psicoterápico.
Há ensaios randomizados controlados evidenciando a eficácia de certa classe de antidepressivos (inibidores seletivos da recaptação da serotonina), antipsicóticos e anticonvulsivantes. O sucesso destes fármacos - ainda que moderado - tem sido principalmente no controle da impulsividade, irritabilidade e agressividade (Paris, 2009). Os resultados na instabilidade emocional, sensibilidade à rejeição e sintomatologia depressiva associada têm sido relativamente pequenos. Os novos antipsicóticos (neurolépticos atípicos) têm estado na fronteira da pesquisa atual, alguns mostrando isoladamente resultados semelhantes aos dos inibidores de recaptação da serotonina no controle da sintomatologia ansiosa/depressiva do paciente com TPB: eficácia baixa a moderada . Contudo, certos antipsicóticos atípicos (p.ex., a olanzapina) têm desvantagens pela maior propensão em favorecer ganho de peso e até mesmo contribuir para o desenvolvimento de uma síndrome metabólica. Certas categorias de fármacos não devem ser prescritas isoladamente. Os antidepressivos tricíclicos, por exemplo, não só não possuem evidência de eficácia adequada no tratamento do TPB quando usados como estratégia única, como são letais em superdosagem (um risco freqüente dadas as características clínicas de tendência a suicídio desses pacientes, citadas anteriormente) (Abraham e Calabrese, 2008). Também deve ser evitado o tratamento com benzodiazepínicos isoladamente. Esses fármacos podem favorecer comportamento impulsivo/destrutivo tão comum nos pacientes com TPB. Não podemos nos esquecer que os benzodiazepínicos compartilham certos efeitos com o álcool, agindo ambos no complexo receptor benzodiazepínico, sendo agonistas gabaérgicos. Exemplificando: não é adequado tratar um quadro de ataques de pânico em paciente borderline utilizando somente o benzodiazepínico clonazepam. Este fármaco pode levar a uma exacerbação da agressividade bem como pode haver interação do mesmo com bebidas alcoólicas, de abuso tão freqüente nesta população de pacientes.
Em suma, a despeito das limitações da farmacoterapia no TPB, bem como das diversas precauções que deve se ter em mente, esta modalidade terapêutica pode trazer alívio a sintomas centrais como a agressividade e irritabilidade. O controle desses sintomas pode ser de suma importância para que a psicoterapia possa ser implementada. Além disso, esses sintomas impactam tremendamente na qualidade de vida do paciente e particularmente daqueles que o rodeiam. O imediato controle dos mesmos pode ser vital para impedir separações impulsivas e rupturas de emprego desnecessárias, eventos tão comuns na vida do paciente com TPB.

CONCLUSÃO:

Tratar pacientes com TPB representa um desafio diário.  É preciso que, além de todas as estratégias acima mencionadas, o terapeuta desenvolva habilidades pessoais tais como, um estilo terapêutico caloroso, colaborativo, aberto, flexível e criativo.  É necessário também ser firme e aberto à crítica.  Devemos ver, portanto, o trabalho com TPB não simplesmente como algo difícil e penoso para o terapeuta, mas como uma oportunidade de participar de um processo de melhora da vida do paciente que irá repercutir em outras vidas (familiares, amigos, etc.), bem como no crescimento dos profissionais envolvidos no processo.

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