quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Cap.2 do livro Mentes e Manias de Ana Beatriz Barbosa

CAPÍTULO 2

Fixação, seus olhos no retrato

Fixação, mera assombração

Fixação, fantasmas no meu quarto.

”Fixação” Kid Abelha


QUEM PENSA DEMAIS VIRA FILÓSOFO OU SOFRE: A QUESTÃO DAS OBSESSÕES

Muitos de nós sentimos um leve incômodo quando deparamos com um sapato virado de cabeça para baixo. É quase impossível que não nos venha à cabeça a idéia de que algo pode acontecer com nossa mãe. Embora achemos ridículo e deixemos o sapato virado do mesmo jeito, o próximo pensamento que pode nos assaltar é o de culpa, de que não nos importamos com nossa mãe, afinal estamos dando mais importância ao raciocínio lógico do que ao significado do famigerado sapato de sola para o ar. Por fim, com um resignado ”tá bom, não custa nada”, acabamos desvirando o sapato e explicamos para nós mesmos, a título de consolo, que isso não passa de ”desencargo de consciência”.

Na hora de dormir, podemos passar de novo por uma situação parecida se percebermos que a porta do armário está aberta. A gente não quer sair debaixo da coberta, mas de vez em quando espicha o olho e dá de cara com a porta escancarada e tudo escuro lá dentro do armário. O que nos faz ficar espionando a inocente fresta é a lembrança de que ”porta de armário aberta chama...”. Mas você não quer pensar na palavra e nem espera para concluir a frase. Sai do aconchego, levanta-se, fecha a porcaria da porta e convence a si mesmo que o motivo que o levou a fazer isso é impedir que entrem baratas em seu armário.

O fato é que sempre estamos imersos em numerosos pensamentos. Pensamentos bons, pensamentos ruins, bobos, grandiosos, de todos os tipos. Muitas vezes nem estamos conscientes deles, mas nós os temos o tempo todo. E é comum também termos pensamentos que nos incomodam, pois não condizem com nosso modo de ser, de pensar e de agir. Assim, acreditamos que não deveríamos tê-los ou que é errado tê-los, como se isso fosse indicativo de alguma falha de caráter sufocada ou de que temos um ”lado negro” escondido. Por exemplo, imaginar-se enchendo de algodão a boca de seu irmãozinho recém-nascido que não pára de berrar é um pensamento que pode vir a sua cabeça se você é um

adolescente impaciente que precisa acordar cedo no dia seguinte e ainda por cima não perdoa os pais por tê-lo desbancado da posição de caçula.

É normal virem esses pensamentos doidos a nossa cabeça de vez em quando, meio agressivos, meio catastróficos, dando representação a nossos medos mais escondidos ou, no caso acima, não assumidos desejos de ”vingança”. O problema está em imaginar que não deveríamos tê-los de modo algum, que é proibido tê-los ou que eles podem trazer conseqüências funestas, tornando-se realidade. Se pensamos assim, o tiro sai pela culatra: quanto mais evitamos tais pensamentos ou nos preocupamos com eles, mais presentes e insistentes eles se tornam em nossa mente. Não querer pensar em algo já nos faz pensar neste algo. E, por dar tal importância a esses pensamentos, aumentamos muito o risco de tê-los repetidamente. Se existisse um ditado para isso, poderia ser algo assim: ”Quem seus pensamentos espanta, mais os acalanta”.

Para testar esse ditado, você pode fazer o seguinte: feche os olhos e durante trinta segundos force-se a pensar em um camelo no deserto (você pode acrescentar palmeiras, cactos, pirâmides, mas o importante é o camelo). Obrigue-se a pensar só no camelo. Pode ser que durante esses trinta segundos outros pensamentos tenham invadido sua mente, isso é natural. Mas não deve ter sido tão difícil. Agora faça de forma diferente: feche os olhos e, durante trinta segundos, pense em qualquer coisa, menos no camelo. É proibido pensar no camelo.

Desta vez você sentirá que foi mais difícil. Só pelo fato de tentar afastar o pensamento do camelo, acabamos sem querer tornando-o mais intrusivo e persistente.

Foi o que aconteceu com Amaro, administrador de empresas de 49 anos, quando tentava afastar o pensamento do... Bem, ele vai partilhar conosco sua experiência:

Quando eu era adolescente, ficava supernervoso quando começava a tocar ”Sympathy for the devil” — algo como afinidade pelo demônio ou simpatia pelo demônio —, música dos Rolling Stones.

Na época eu estava completando o catecismo e achava terrível ouvir uma música daquelas. Mas não ficou só aí. Depois passei a ter medo de simplesmente pensar na música e cheguei a um ponto em que qualquer outra coisa me remetia a devil, como ver uma luz vermelha ou algum bicho que tivesse chifres. Daí, já tinha virado um martírio se eu visse um carro freando e se acendesse uma luz vermelha ou se, na TV, passasse algum desenho ou reportagem com animais.

E esses são só alguns exemplos, porque muitas outras coisas mais eu associava àquela imagem, como o número 5, por causa do tal do pentagrama, A estrela de cinco pontas é um símbolo místico:com a ponta virada para cima, representa o bem;com a ponta virada para baixo, simboliza o mal... Adivinha em qual eu pensava? Olha que viagem! E, cada vez que me vinha à cabeça, e isso acontecia toda hora — porque descobri que, quanto mais a gente tenta não pensar, mais a gente pensa —, eu tinha de repetir mentalmente os nomes de alguns anjos: Gabriel, Miguel, Rafael... Eu achava que ia acontecer alguma coisa ruim, mas, puxa, ruim era passar por aquilo. Agora estou tranqüilo em relação a isso e — quer saber de uma coisa? — encho a boca quando vou mandar alguém ”para o diabo que o carregue”.

Idéias indesejáveis invadem nossa mente

O ser humano tem, em maior ou menor medida, a necessidade de manter as coisas sob controle, ainda que minimamente. Muitas coisas, porém, estão fora de nosso controle — e o conteúdo de nossos pensamentos é uma delas. Engajar-se numa luta inglória com derrota garantida é caminhar a passos largos para o desconforto e até para o adoecimento. Quando tentamos manter estrito controle sobre nossos pensamentos, estamos nos expondo ao risco de vê-los transformados em obsessões.

Para que os pensamentos sejam considerados obsessivos, eles devem ser desagradáveis, intrusivos, indesejáveis e repetitivos. Quem os tem não os quer e, embora saiba que jamais concordaria com o conteúdo desses pensamentos obsessivos ou faria o que eles sugerem, sente uma pesada culpa por tê-los. Como exemplo, poderíamos pensar naquele adolescente enciumado do

irmãozinho de que falamos há pouco, que ainda por cima é alvo de chacota no colégio por parte de um colega que adora pegar no seu pé. Pode passar pela cabeça dele que seria melhor que esse colega estivesse morto ou como seria glorioso jogá-lo escada abaixo. Pensamento tétrico, não? O adolescente talvez sinta um pouco de alívio de suas frustrações fantasiando sua vingança espetacular e depois se desligar daquilo e voltar a sua rotina sem maiores problemas. Mas ele também pode começar a remoer a preocupação de que, se está pensando naquilo, é porque talvez seja mesmo capaz de fazer aquilo. A partir daí, pode tentar fazer um esforço tremendo para não voltar mais a pensar naquilo e, pior, desenvolver comportamentos como evitar subir ou descer a escada junto com seu desafeto.

Há uma distância muito grande entre pensar, fantasiar e realmente fazer. Se ele de fato fosse um adolescente com desvio de conduta, já estaria planejando e implementando sua vingança — como infelizmente vimos acontecer naquele massacre de estudantes e professores feito por dois alunos da escola Columbine, numa cidade do Colorado, Estados Unidos, em 1999, tema do documentário Tiros em Columbine, de Michael Moore —, e não se preocupando, sentindo-se envergonhado e culpado por ter esses pensamentos, evitando até se aproximar do colega por medo de fazer-lhe algum mal.

No entanto, pelo sofrimento e pelo desconforto que trazem, causando até alterações no comportamento do adolescente, podemos dizer que esses pensamentos já adquiriram um caráter obsessivo. O jovem sente angústia e culpa ao tê-los, pois são desagradáveis e vão contra o que considera correto. São repetitivos, intrusivos e causam tremenda ansiedade. Quanto mais ele luta para não tê-los, mais os tem, e acaba se sentindo na obrigação de mudar seu comportamento para aliviar a angústia que sente.

Isso precisa ficar bem claro: é a partir desse ponto que se pode dizer que esse pensamento deixou de ser um daqueles pensamentos doidos e pouco usuais que todo mundo tem para transformar-se num pensamento obsessivo, que traz grande apreensão.

Um dos pensamentos obsessivos que provocam mais sofrimento é aquele cujo conteúdo envolve ferir alguém a quem amamos. A arquiteta Analice, de 36 anos, nos relata seu problema:

Eu já era um pouquinho ”sistemática” desde nova... Gostava das coisas bem guardadinhas e alinhadas. Depois que tive o Pedro, minha mania de só fechar as gavetas de talheres quando eles estivessem arrumadinhos piorou bastante. Mas meu martírio mesmo começou quando passei a pensar que, se fechasse a gaveta e alguma faca se deslocasse lá dentro, seria capaz de pegá-la e ferir meu filho. O mais desesperador é que sempre fui uma mãe paciente, super apaixonada por meu filho, que foi um bebê bem tranqüilo. Como, quando eu fechava a gaveta das facas, não conseguia ter certeza de que nenhuma faca tinha saído do lugar lá dentro, ficava abrindo e fechando a gaveta muitas vezes, porque, se não fizesse isso, me vinha à mente minha imagem, com a faca na mão, ferindo meu filho. Era horrível, horrível!

Hoje em dia ele é adolescente e não pára de fazer chacota desde que soube dessa história. De vez em quando ele me chama de Mamãe Jason. Mas quer saber? Agora que já estou livre disso também me junto a ele e dou boas gargalhadas.

Os pensamentos obsessivos estão intimamente relacionados com o medo. No entanto, o medo é um sentimento natural e saudável, cuja função é nos resguardar de maiores problemas. É bom que tenhamos medo de atravessar a rua com o sinal aberto para os carros, por razões óbvias. É esse medo que nos impede de arriscar nossa vida em um trânsito caótico, povoado de motoristas alucinados. Mas ter receio de sair de casa e andar na calçada por causa da remota probabilidade de ser atropelado no portão do próprio prédio é entregar-se a um medo irracional e infundado, que limita nossos movimentos e cerceia nossa liberdade de ação. Nesse caso, o medo deixa de ser útil e passa a ser irreal e nocivo. Não serve mais à função de proteção e ainda nos faz o desfavor de entravar nossa vida.

A pessoa que tem pensamentos obsessivos sofre deste último tipo de medo. Portanto, não podemos confundir as obsessões com medos comuns. Os medos da pessoa obsessiva podem ser semelhantes aos medos comuns e plausíveis, como o medo de bater o carro, mas ganham uma dimensão muito mais ampla se são erroneamente avaliados pela pessoa como tendo probabilidade muito maior de ocorrer, a ponto de fazer com que ela evite não só dirigir como entrar em qualquer veículo. A pessoa obsessiva pode também ter pensamentos e medos que consideramos bizarros, como o de ter engolido uma agulha quando estava pregando um botão. Ela sabe que não a engoliu, pois isso é impossível, mas ainda assim fica atormentada com a repetição desse pensamento, ganhando um medo irracional de lidar com quaisquer instrumentos de costura.

Superstições versus obsessões

Uma coisa importante é diferenciar as obsessões das superstições. No início deste capítulo descrevi dois casos típicos de superstições em nossa cultura apenas com o intuito de demonstrar como é comum que nos preocupemos com o significado que damos às coisas, com o que pensamos delas e como isso pode influenciar nosso comportamento. Contudo, as superstições não são indicativos de nenhum problema, pois são respaldadas e até reforçadas por nosso ambiente cultural. Algumas das mais comuns, símbolos de verdadeiro azar para a pessoa, envolvem cruzar com gato preto, passar debaixo de escada, quebrar espelhos, entrar com o pé esquerdo em algum lugar, ter os pés varridos, entre outras. São manifestações de comportamentos ritualísticos comuns a toda a humanidade, que variam de cultura para cultura. Mas o importante é que elas não tomam o tempo da pessoa nem a paralisam, não se tornam algo imprescindível de fazer, sem o qual a pessoa se sentiria intensamente angustiada e ameaçada.

Por outro lado, se a pessoa passa a checar a toda hora seus sapatos, que além de estarem na posição correta precisam ficar

perfeitamente alinhados, e mesmo após checá-los continua ansiosa e agoniada, voltando a conferir outras vezes, sob pena de algo ruim acontecer por causa do desalinhamento dos calçados, deve-se desconfiar de um pensamento obsessivo. Principalmente se a pessoa chega a perder tempo com isso, a ponto de atrasar-se para o trabalho e sentir-se angustiada, quase em pânico, se não conseguir certificar-se da posição dos sapatos. Aqui podemos afirmar que já deixou de ser superstição.

Para reforçar a diferença, lembremos o caso da pessoa que não conseguia dormir em paz enquanto a porta do armário estava aberta. O pensamento que ela teve não era obsessivo, na verdade era uma idéia supersticiosa, que causou um leve incômodo. Ela levanta, sentindo-se meio boba, fecha a porta, logo esquece aquilo e volta para o sono dos justos. Agora imaginemos que, ao fechar os olhos, ela comece a ser assaltada pela idéia de que a porta não foi bem fechada. Levanta e resolve passar a chavinha que tranca a porta. Volta para a cama e... começa a duvidar se realmente passou bem a chave. Levanta, destranca e tranca de novo a porta, para se certificar. Pode ser que ela esteja passando por uma fase estressante, com problemas no trabalho, e isso se reflita em comportamentos esquisitos assim, que com certeza ela não voltará a ter. Mas, se esses pensamentos voltarem a aparecer todo o tempo e ela se sentir assustada, temendo que alguém de sua família possa morrer, e a partir daí passar a verificar freqüentemente a porta do armário, não só à noite como também de dia, já podemos cogitar num caso de pensamentos obsessivos.

Obsessões mais freqüentes

É fundamental entender que existe uma grande variedade na forma de apresentação do TOC. Assim, observamos na prática clínica que as obsessões tendem a se apresentar em alguns grupos bem característicos. Para facilitar a compreensão desse transtorno, sua identificação e possibilitar que o máximo de pessoas possam ser ajudadas no alívio do intenso sofrimento que sua vida se

tornou, minha equipe e eu elaboramos um quadro das principais e mais comuns obsessões com exemplos fáceis de visualizar. Algumas envolvem medo de contaminação, dúvidas persistentes, blasfêmias religiosas e desejos agressivos, entre outros. Vamos a elas.

Obsessão de agressão: preocupação em ferir os outros ou a si mesmo, insultar, impulsos de agredir (como vimos no exemplo do adolescente irritado com o irmão e com o colega da escola), machucar o próprio filho (como era o caso de Analice) etc.

Obsessão de contaminação: preocupação constante com sujeira, germes, contaminação por vírus e bactérias, pó, apertos de mão, medo de ser contaminado em visitas hospitalares, velórios, cemitérios etc.

A pessoa se preocupa com a possibilidade de infectar-se e adquirir doenças como Aids, pneumonia asiática e leptospirose, entre outras. É claro que existe a possibilidade de contrair tais doenças, e é essa possibilidade que nos motiva a usar camisinha e evitar andar descalços por águas de aspecto sujo. Por outro lado, essa preocupação deixa de ser normal quando evitamos apertar as mãos das pessoas por medo de pegar Aids ou corremos loucamente de todo e qualquer cachorro, pois ele poderia ter brigado com um gato, que poderia ter brigado com um rato, que poderia ser transmissor da leptospirose. Como uma pessoa com pensamentos obsessivos exagera todas as probabilidades catastróficas, ela pode até deixar de sair de casa, uma vez que, seguindo esse raciocínio tortuoso, qualquer um poderia transmitir Aids e outras doenças fatais (só de estar no mesmo recinto que ela) e qualquer cachorro poderia carregar microorganismos causadores de doenças infecciosas, representando um risco mesmo se estiver passando do outro lado da rua.

Obsessão de conteúdo sexual: pensamentos persistentes de fazer sexo com pessoas impróprias ou em situações estranhas, pensamentos obscenos, imagens pornográficas recorrentes, impulsos incestuosos. Há casos em que o indivíduo evita sair de casa porque teme ficar olhando para a região genital das pessoas com

quem se encontra na rua ou fazer propostas indecorosas em voz alta a qualquer pessoa atraente que cruze seu caminho.

Obsessão de armazenagem e poupança: idéia fixa em colecionar ou não se desfazer de vários tipos de objeto. A pessoa não quer se desfazer de nada por achar que tudo poderá ser útil no futuro (embalagens, papéis velhos, jornais, revistas, tampinhas de refrigerantes etc.).

Obsessão de caráter religioso: pensamentos recorrentes de escrupulosidade, blasfêmias, pecado, certo/errado, de falar obscenidades na igreja. Como exemplos, podemos citar a criança que, após ter iniciado seu aprendizado em inglês, passou a ter pensamentos obsessivos de que God também é Dog, ou a mulher que não consegue parar de pensar que a imagem de São Sebastião, seminu e preso a uma tora de madeira, é bastante sensual.

Luciana, uma professora de 26 anos, conta os insistentes pensamentos que tinha quando se reunia com o grupo jovem de sua igreja:

Quando eu passava em frente ao altar onde havia uma imagem de Jesus crucificado, com apenas um pano enrolado em seu corpo, ficava tendo pensamentos se ele era como a gente, se ele tinha pênis, se fazia xixi... Aí, para meu desespero, me vinham todas aquelas imagens, ele fazendo xixi e ”sacudindo” depois, como os caras fazem. Ou com o que ele se limpava, se ficava com resto de comida entre os dentes... Desse pensamento já vinha outro: se ele comia fazendo barulho. Esses pensamentos me perseguiam, e eu ficava esperando pelo castigo que pudesse acontecer. A culpa ainda era maior porque eu não conseguia confessar isso ao padre, e eu achava que tinha obrigação de falar tudo. O que lembro é que ficava repetindo pra mim mesma: ”Perdão, meu Deus; perdão, meu Deus; perdão, meu Deus; perdão, meu Deus...”, uma infinidade de vezes.

Agora que estou melhorando, só penso de vez em quando assim: ”Obrigada, meu Deus; obrigada, meu Deus”. Mas meu terapeuta me dá altas broncas, diz que basta uma vez. Sei que ele está certo, mas esses pensamentos são mais teimosos que mula empacada.

Obsessão de simetria: idéias constantes de exatidão ou alinhamento de objetos, roupas, decoração etc. A pessoa tem uma sensação vaga de que é ”errado” ou ”incômodo” ver coisas desarrumadas e desalinhadas.

Obsessão somática: preocupação excessiva com doenças. Como as pessoas que sentem alguma dor no peito e já começam a pensar obsessivamente em alguma cardiopatia grave ou que sentem uma dor abdominal e têm pensamentos obsessivos de estar com um tumor intestinal.

Obsessão ligada a dúvidas: preocupação constante com o fato de não confiar em si mesmo, como não ter certeza se fez algo direito ou questionar-se se realmente realizou determinada tarefa (fechar a janela, deixar uma encomenda etc.).

Quem tem esse tipo de pensamento não consegue confiar em nada e precisa certificar-se repetidas vezes de que está tudo bem. Podemos citar como exemplo aquelas pessoas que checam várias vezes as fechaduras das portas e as bocas do fogão. Mesmo que já as tenham verificado algumas vezes, a dúvida persiste e elas não conseguem acreditar em si mesmas, começam a pensar que se enganaram ou não foram cuidadosas o suficiente — e, pronto, lá vão mais uma vez checar tudo de novo.

Essas checagens podem se repetir dezenas de vezes, impedindo a pessoa de ter uma boa noite de sono ou fazer outras coisas e causando atrasos e transtornos em sua vida cotidiana.

Afinal, imaginemos o tempo que ela perde quando está saindo de casa para o trabalho e se atrasa porque retornou inúmeras vezes para conferir se realmente a porta estava fechada... Os pensamentos obsessivos envolvidos aqui são de cunho catastrófico. Checar a porta serve para certificar-se de que nenhum ladrão invadirá a casa e verificar os botões do fogão serve para garantir-se de que a casa não vai explodir.

Pessoas com pensamentos obsessivos nem sempre têm mais de um tipo deles. Algumas costumam ter apenas de determinado tipo, que sempre estará relacionado a seus maiores medos e dúvidas. E é comum que o conteúdo dos pensamentos obsessivos

mude ao longo do tempo, passando por períodos de enfraquecimento e de intensificação.

Uma coisa muito importante que precisamos saber é que o fato de ter tais pensamentos não significa que seremos capazes de concretizá-los. Na verdade, eles se tornam obsessivos e nos perseguem justamente porque nos sentimos tão desconfortáveis e culpados de tê-los. Uma pessoa com obsessões agressivas sofre exatamente porque considera condenáveis a agressão e o conflito. Ela se sente tão mal com esses pensamentos e luta tanto para afastá-los da cabeça que acaba por tê-los repetidas vezes, apesar de saber que é incapaz de fazer mal a quem quer que seja.

O problema é que essa pessoa supervaloriza a importância dos pensamentos, a ponto de considerar que é tão grave tê-los quanto praticá-los, quando sabemos que do pensar ao agir há uma distância muito grande. Nesse ponto, o conceito religioso de que ”se peca mesmo em pensamento” é um desserviço à humanidade. Uma idéia como essa fará sofrer muito mais as pessoas que tendem a ter pensamentos obsessivos do que as efetivamente inescrupulosas, que não estão ”nem aí” se estão pecando e se o que fazem é certo ou errado.

O que é certo ou errado é algo que preocupa muito as pessoas que tendem a ter pensamentos obsessivos. Elas costumam ser conscienciosas, responsáveis, perfeccionistas e preocupadas com o bem-estar dos outros. Por isso sofrem tanto ao ter pensamentos que consideram tão alheios a si próprias e temem intensamente que o fato de tê-los poderá levá-las a causar dano a alguém. Na verdade, a pessoa com pensamentos obsessivos deveria se preocupar menos com eles e não lhes dar tanto crédito, pois não são eles que vão dizer o que ela é, e sim suas ações.

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É um capítulo importante sobre a parte obcessiva do TOC. Será que dá pra ser filósofa e ao mesmo tempo ter pensamentos intrusivos do TOC? Sei lá! Só sei que eu penso de mais...
Espero que seja esclarecedor. E lembro, quem quiser o livro me mande o e-mail com o pedido que eu enviarei assim que tiver um tempinho. Bjs!

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